A Coroação do Espelho

Há uma mentira que contamos a nós mesmos sobre a maestria: a de que ela é um destino, um trono a ser alcançado. Esta semana, a vida me ensinou que a verdade é muito mais humilde e, por isso mesmo, muito mais poderosa.

Convoquei um encontro para dar o primeiro passo na fundação da minha própria Família Kung Fu. Mas, em vez de liderar, eu recuei. Criei um vácuo, um silêncio, para observar meu Si Dai (師弟), Daniel, e meu futuro To Dai (徒弟), Samis. E no palco que montei, o que vi foi o reflexo de toda jornada humana: o caos da intenção sem sintonia, a beleza da falha honesta. O mapa que meu futuro discípulo tinha em sua mente não servia para o território que se apresentou. E foi precisamente ali, na fumaça daquele pequeno curto-circuito, que a verdadeira aula pôde começar. Não sobre técnica, mas sobre Zelo (操心). Sobre a responsabilidade invisível que une uma família.

Grão mestre Leo Imamura e Mestre Sênior Julio Camacho - Foto tradicional do Sistema Ving Tsun de Kung Fu

Grandmaster Leo Imamura and Senior Master Julio Camacho - Traditional photo of the Ving Tsun System of Kung Fu




Mas a lição mais profunda não foi para eles. Foi para mim. No exato momento em que precisei ser Mestre, em que precisei intervir, ensinar e cuidar, a voz que ecoava em minha mente não era a minha. Era a voz do meu próprio Si Fu (師父). Percebi a verdade paradoxal da nossa jornada: o primeiro dia de um Si Fu é o dia em que ele mais profundamente compreende o que significa ser um To Dai.

A coroação de um Mestre não é sobre sentar-se em um trono. É sobre se tornar um espelho. E, ao olhar para meu primeiro discípulo, o que vi refletido não foi a minha autoridade, mas a minha própria, eterna e imperfeita condição de discípulo.

Talvez a soberania que tanto buscamos não seja sobre alcançar a perfeição, mas sobre ter a coragem de, mesmo trincado, ainda tentar refletir a luz daqueles que nos guiaram.

P.S.: E o universo, em sua poesia, marcou este dia em 07/07/25. Uma trindade de setes. Para a minha fé, o sete é o número da perfeição e da aliança com Deus. Para a tradição do meu Si Fu, o três (Sān - 三) representa a trindade Céu, Terra e Homem. Neste dia, três homens se uniram sob o signo da trindade de setes. Um sinal de que, às vezes, até o caos tem um desígnio sagrado.

Mestre Sênior Julio Camacho, Sra. Márcia Moura Camacho, Mestre Claudio Ricardo Teixeira, Sra. Mayara Galvão Palmeira. Foto tradicional Sistema Ving Tsun de Kung Fu - Senior Master Julio Camacho, Mrs. Márcia Moura Camacho, Master Claudio Ricardo Teixeira, Mrs. Mayara Galvão Palmeira - Traditional photo of the Ving Tsun Kung Fu System.




The Coronation of the Mirror

There is a lie we tell ourselves about mastery: that it is a destination, a throne to be attained. This week, life taught me that the truth is much more humble, and for that very reason, much more powerful.

I called a meeting to take the first step in founding my own Kung Fu Family. But instead of leading, I stepped back. I created a vacuum, a silence, to observe my Si Dai (師弟), Daniel, and my future To Dai (徒弟), Samis. And on the stage I set, what I saw was a reflection of the entire human journey: the chaos of intention without harmony, the beauty of honest failure. The map my future disciple had in his mind was useless for the territory before him. And it was precisely there, in the smoke of that small short-circuit, that the real lesson could begin. Not about technique, but about Zelo (操心) - care. About the invisible responsibility that binds a family together.

Mestre Claudio Ricardo Teixeira e Alexantre Samis. Foto Tradicional Sistema Ving Tsun de Kung Fu

Master Claudio Ricardo Teixeira and Alexantre Samis. Photo of the Traditional Ving Tsun Kung Fu System

But the deepest lesson was not for them. It was for me. At the very moment I needed to be a Master, to intervene, teach, and care, the voice that echoed in my mind was not my own. It was the voice of my own Si Fu (師父). I realized the paradoxical truth of our journey: the first day of a Si Fu is the day he most profoundly understands what it means to be a To Dai.

A Master's coronation is not about sitting on a throne. It is about becoming a mirror. And as I looked at my first disciple, what I saw reflected was not my authority, but my own eternal, imperfect condition as a disciple.

Perhaps the sovereignty we so desperately seek is not about achieving perfection, but about having the courage, even when cracked, to still try to reflect the light of those who have guided us.

P.S.: And the universe, in its poetry, marked this day on 07/07/25. A trinity of sevens. For my faith, seven is the number of perfection and covenant with God. For my Si Fu's tradition, the number three (Sān - 三) represents the trinity of Heaven, Earth, and Man. On this day, three men united under the sign of the trinity of sevens. A sign that sometimes, even chaos has a sacred design.


Por Claudio Ricardo Teixeira - MOY KAT JO 梅吉祖.